EDUCAÇÃO; AFINAL, O QUE MUDA COM A SUSPENSÃO DO CRONOGRAMA DO NOVO ENSINO MÉDIO?

 Congelamento do prazo coincide com período de consulta aberto pelo Ministério da Educação

“Revogação imediata do novo ensino médio e da construção de uma nova lei que dialogue com a realidade da educação brasileira”, diz um artigo publicado pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). 

O mesmo pedido de revogação da Lei 13415/17, que estabelece as diretrizes do Novo Ensino Médio no Brasil, também foi feito por estudiosos, professores, entidades de classe e estudantes, principalmente os de escolas públicas brasileiras. 

Mas, por que as novas diretrizes para a educação secundarista no Brasil tem gerado tanta polêmica?  O que muda com a decisão do governo federal de suspender por 60 dias o cronograma das mudanças? 

A Lei do Novo Ensino Médio foi aprovada em 2017, durante o governo Michel Temer. 

A elaboração da proposta e a forma como foi conduzida pelo Legislativo é um dos principais questionamentos, já que, de acordo com especialistas, privilegiou a voz e a visão dos setores econômicos, em detrimento dos apontamentos feitos por especialista em educação, inclusive sobre os abismos de qualidade entre a educação pública e privada no Brasil. 

As diretrizes do Novo Ensino Médio devem orientar novos currículos paras as redes particulares e públicas. 

O Novo Ensino Médio, em teoria, projeta uma formação secundarista focada nas áreas do conhecimento da preferência do aluno, fundamentada por um horizonte técnico profissional.

Por conta da pandemia da covid-19,o cronograma de implementação foi adiado, por isso, em março, organizações estudantis intensificaram a mobilização contra as novas diretrizes. 

Diante da pressão, a nova equipe do Ministério da Educação (MEC) decidiu pela abertura de uma consulta pública para avaliar a reestruturação da política. 

Uma Portaria publicada em 9 de março estabeleceu o prazo de 90 dias para o envio de propostas e avaliações. 

Nesta quarta-feira (5), o governo federal publicou a prorrogação do cronograma de implementação do Novo Ensino Médio por 60 dias. 

O prazo de congelamento coincide com o período de finalização da consulta pública, o que retira das instituições de ensino a obrigatoriedade de avançar com adequações momentaneamente. 

O trabalho de consulta à comunidade estudantil ocorre por meio de audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares sobre a experiência de implementação do novo ensino médio nos 26 estados e Distrito Federal.

As atividades são coordenadas pelo MEC, por meio da Secretaria de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino (Sase), com a colaboração do Conselho Nacional de Educação (CNE), do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede) e do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). 

Após o prazo de manifestações, a Sase terá 30 dias para elaborar o relatório final a ser encaminhado ao ministro da Educação, Camilo Santana. 

Conforme o cronograma estabelecido em 2021, a implementação do Novo Ensino Médio ocorreria de forma escalonada até 2024, quando atingiria as três séries do período. 

Também foram previstas alterações no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). 

As alterações no Enem também foram momentaneamente suspensas.  

Conforme a proposta, a formação básica, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), deverá possuir até 1,8 mil horas, enquanto as restantes – do total de 3 mil ao longo das três séries - deverá ser destinada aos itinerários formativos, espaço de escolha dos estudantes. 

As redes de ensino teriam autonomia para definir quais os itinerários formativos ofertar, considerando um processo que envolva a participação de toda a comunidade escolar. 

A suposta flexibilização do currículo com os chamados “itinerários formativos” é um dos pontos questionados pela UBES. “Além de muitas vezes essas matérias optativas nem sempre estarem disponíveis diversificadamente, os professores não contam com formação ou estrutura para leciona-las. 

Sem contar que matérias esvaziadas de conteúdos e  com nomes nada explicativos como “o que rolar por aí”, “brigadeiro caseiro”, “RPG” e “Arte de Morar” começam a fazer parte da realidade das escolas públicas”, diz a entidade em documento público.

“A Reforma do Ensino Médio, em seu contexto, foi criada pelo interesse da elite econômica em ditar qual tipo de educação deve ser ofertada no Brasil, na tentativa de definir qual é o perfil desejado para o trabalhador e trabalhadora que vai sair do Ensino Médio. Na realidade, não adianta mudar todo o currículo educacional sem cumprir demandas que já existiam anteriormente; como a criação de laboratórios, salas de aulas, e a ampliação de escolas, especialmente as escolas técnicas e seus respectivos profissionais”, reclama. 

A ideia de revogação completada da proposta também tem geração discussão, já que a necessidade de mudanças no atual modelo, implementado a partir das Leis de Diretrizes e Bases de 1996, é ponto de consenso. 

O ministro Camilo Santana disse ser contra a revogação completa. 

Em entrevista, Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos pela Educação, afirmou a necessidade de revisão e ajustes de algumas diretrizes para que a reforma entregue o que promete em sua essência.

Todos pela Educação é uma organização não governamental, criada com a participação de diversos setores da sociedade brasileira.

“A primeira delas tem a ver com a carga horária para a formação geral básica, hoje muito baixa. A gente defende que haja uma revisão das diretrizes que orientam a parte flexível do currículo, hoje muito ampla. E a gente defende também uma revisão na normativa que permite 20% da experiência de Ensino Médio em ensino a distância, o chamado EAD”.

Estudiosos defendem também a necessidade de o MEC assumir a dianteira das discussões. 

A decisão de adiar a implementação das mudança foi bem recebida pela comunidade estudantil. 


POLÊMICAS NAS REDES SOCIAIS  

A implementação do Novo Ensino Médio também virou discussão nas redes sociais. 

Um exemplo dos embates é uma publicação do apresentador Luciano Huck, que atualmente comanda o Domingão com Huck na Rede Globo. 

“O Novo Ensino Médio deveria estar acima de diferenças ideológicas. Mesmo c/ difícil implementação, não faz sentido retroceder à estaca zero. O esforço p/ oferecer uma escola mais atrativa p/ os alunos e conectada c/ as suas expectativas de vida e carreira deve ser permanente”, escreveu o global.  

A postagem, feita no dia 3 de abril, já conta com mais de 12 mil comentários e foi compartilhada por mais de 8 mil usuários do Twitter. 

Nos comentários, em sua maioria contrários à posição do apresentador, Luciano é questionado sobre “o que conhece do chão da escola”, “se seus filhos frequentam a escola pública” ou mesmo se ele possui formação para tal posicionamento. 

“Luciano, seus filhos já estudaram em escolas públicas? Você viu o que realmente estão querendo fazer com o Ensino Médio? Sugiro escutar os profissionais da educação que estão todos os dias lutando por direitos básicos nas escolas. Um exemplo é a falta de água potável, sabe?”, escreve a economista e educadora financeira Nath Finanças. 

“Acima de diferenças ideológicas" pode ser uma frase de efeito, porém sem conteúdo. Seria não falar dos absurdos das guerras, da crueldade da escravização, da desigualdade de classe ou da misoginia no país? A neutralidade sempre foi uma mentira para privilegiar a hegemonia”, diz a jornalista Debora Diniz.

“Caro Luciano Huck, você acha que nós, professores, não queremos uma escola mais atrativa? Você acha que estudantes de escola pública - onde sequer têm professores de todas as disciplinas - têm condições de oferecer todos os itinerários? Essa reforma é um verdadeiro apartheid”, escreve Elika Takimoto. 


Fonte; Correio


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